A língua, não a pessoa! ;-)
Em TI vivemos imersos em estrangeirismos, que é como se chama o uso de uma palavra de outra língua no nosso idioma natal.
Em si, isso não é ruim. Por exemplo, quando a palavra nativa é desajeitada ou esquisita, um termo de outra língua ajuda bastante: quebra-luz ou sustentador, as palavras em português para abajur (abat-jour) e sutiã (soutièn).
Mas em outras ocasiões isso é um problema sério. Meu exemplo favorito é leader. Traduzido como líder, a palavra não evoca nada. Ou melhor, evoca aquela pessoa destemida, à beira de um promontório, com o peito aberto para o espaço e um olhar confiante e distante.
Só que essa imagem que a palavra cria na sua cabeça está errada. Quer ver? O que é um guia?
Você deve ter pensado “é o cara que conhece o caminho, os desvios, atalhos, riscos e armadilhas”. Correto. É a pessoa que já passou por ali e vai te ajudar na travessia. É um profissional que vai tomar as decisões e vai se responsabilizar por elas, que vai delegar e cobrar o resultado, que amalgar várias pessoas, todas únicas e diferentes entre si, em uma coisa coesa, com direção firme.
E adivinhe? Leader, traduzido, significa guia.
Entendeu? Só de mudar a palavra estrangeira para seu equivalente nativo você já ganhou uma idéia melhor do que significa ser um líder. Agora você pode até avaliar se é uma pessoa para essa posição ou não, pode avaliar quem te lidera, pode escolher quem vai querer para ser seu guia. E em várias dimensões: profissional, pessoal, social…
Hub, Link and Satellite
Um Data Vault é um repositório de dados usado para construção de Data Warehouses.
Se você não conhece Data Vault, leia meu post Data Vault – Como Usar.
Vamos mudar a frase anterior: “um cofre de dados é um repositório de dados usado para construir armazéns de dados”. Notou? Só de trocar Data Vault por cofre de dados e Data Warehouse para armazém de dados as imagens na sua cabeça estão diferentes.
Traduzir Data Vault por cofre de dados não é uma boa idéia, porque um Data Vault não tem nada a ver com segurança ou inviolabilidade. Mudar DW para Armazém de Dados, porém, já ajuda.
O mesmo ocorre com as estruturas básicas de um Data Vault: hub, link e satellite. Desta forma, em inglês, elas não dizem muito. Quando estudamos cada uma dessas estruturas aprendemos que se referem a layout de tabela muito específico.
Agora, veja como a coisa muda se traduzirmos:
- Hub: Pivô;
- Link: Elo;
- Satellite: Satélite.
Pivô
Pivô, do francês pivot, é aquele elemento sobre o qual se faz uma rotação (pivotear) ou aquilo que fica no centro, no eixo, no qual se ligam outras partes.
A função de um hub é justamente essa: estar no centro do armazém de dados, como um conceito de negócio, no qual outras estruturas (links e satellites) vão se ligar.
Cubo, caixa, eixo, âncora – muitas outras traduções existem para hub, mas eu gostei mais de pivô. Cubo já existe em BI, eixo é esquisito. Caixa e âncora não têm significado claro neste contexto.
Elo
Em um Data Vault, link é uma tabela que liga dois ou mais pivôs (hubs). Essa é uma palavra muito usada, comum até fora da Informática: todo mundo compartilha links para todo tipo de coisa – páginas web, perfis em redes sociais, arquivos e formulários etc. etc. etc.
Não seria um problema deixar link como link (como hub também não era). Mas…
Mas existe uma palavra em português que serve muito bem para essa função e transmite a imagem mais adequada: elo. Ao invés de um caminho para alguma coisa, como nos habituamos a pensar para link web (que no mais das vezes é uma URL e não um link), a palavra elo transmite a idéia de coisas ligando-se entre si e formando algo maior. E essa é exatamente a função de um tabela elo (link): conectar, ligar dois ou mais pivôs e assim conectar todos os conceitos de negócios entre si.
Link poderia ser traduzido, também, por conexão, ligação, contato, junção, ligadura, ligamento etc. Nenhuma dessas palavras, porém, cria uma imagem tão ilustrativa do conceito de link como elo.
Satélite
Um satellite em Data Vault é a tabela que guarda contexto. É lá que ficam os atributos que podem ser atualizados e descrevem os conceitos de negócio (pivôs) e contextualiza as relações entre esses conceitos (elos).
A palavra é tão próxima do português satélite que quem usa Data Vault sempre fala “hubs, link e satélite”, misturando português e inglês como se fosse uma feijoada de frango.
E é uma palavra muito apta à sua função: ela se liga aos outros elementos e sempre apenas a um, como um corpo preso por atração gravitacional a um outro corpo (eu sou físico e satélite para mim tem uma imagem muito clara). Se eu tivesse criado o conceito de Data Vault, talvez chamasse de “context” ou “attributes” ou qualquer coisa mais óbvia (não sou um cara criativo, mind you), mas Daniel Linstedt escolheu satellite e caiu muito bem.
Assim, completando a tradução dos conceitos de Data Vault, eu vou continuar com satélite, como todo mundo.
Pivô, elo e satélite
Meio como Doc Brown, de “De Volta para o Futuro”, um dia eu tive uma epifania sobre como a língua interfere na interpretação do texto. Tudo começou com Data Mining, que depois de dez anos traduzindo como mineração de dados eu mudei para Garimpagem de Dados (e hoje eu diria Garimpagem em Dados).
Desde então eu venho testando traduzir alguns termos para verificar se em português eles mais ajudam ou mais atrapalham. E hoje eu decidi acabar de vez com hub, link e satélite. Não apenas por causa da feijoada de frango que é misturar português e inglês tão intimamente, mas porque eu quero poder ampliar a audiência do Data Vault, agora que (FINALMENTE!!!) o mundo (e o Brasil junto) o descobriu.
Então, a partir de hoje eu vou falar “pivô, elo e satélite” ao invés de “feijão, paio e frango”, digo, “hub, link e satéite”.
É isso. :-)